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As dificuldades do trabalho social nos tempos atuais

Em 1990 o Brasil sancionou um conjunto de leis chamado ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente). No artigo 86, foi criado um espaço para o serviço voltado aos menores de idade, onde diz que “a política de atendimento dos direitos da criança e do adolescente far-se-à através de um conjunto articulado de ações governamentais e não-governamentais, da união, dos estados, do distrito federal e dos municípios” (ECA, 1990). Antes disso, em 1988, a Constituição Federal já previa um apoio não remunerado para esse público-alvo, onde afirma que “O estado promoverá programas de assistência integral à saúde da criança e do adolescente, admitida a participação de entidades não governamentais” (CF, 1988).

Com o crescimento da pobreza no país e o trabalho infantil chegando a 3,4 milhões de afetados (IBGE¹, 2010) o amparo a projetos e entidades sociais se faz fundamental. Segundo dados de 2015², a região Sul conta com 3.531 entidades privadas sem fins lucrativos com foco na assistência social, sendo o segundo colocado nos registros – perdendo apenas para o Sudeste, com 7.172 inscritos. Só no Rio Grande do Sul há 2.254 projetos que trabalham com públicos de baixa renda ou em situação de risco. Uma das cidades do estado é Guaíba, situada na região metropolitana de Porto Alegre, que conta com 98 mil moradores e 144 entidades sociais.

Um projeto movido por voluntários

Um dos focos do PROJARI é o trabalho com o jovem. Foto: autoral
Um dos focos do PROJARI é o trabalho com o jovem. Foto: Bianca Bandeira/arquivo pessoal

“Não é só vir e jogar uma bola, fazer uma dança ou um ballet, mas é receber uma formação que busca a parte da cidadania deles. Não é só vir pra não ficar na rua, mas também é canalizar o potencial e a energia nas coisas boas”. Segundo Angela Maria Ribas, uma das fundadoras e diretoras do PROJARI (Projeto Artesanato, Recreação e Informática), o trabalho realizado tem o papel de resgate dos valores e do amparo social. Fundado em 1980 pelas Irmãs de São José, congregação da Igreja Católica, Angela juntamente com Nilva Dal Bello e Laura Gavazzoni decidiram criar uma entidade que apoiasse um público que sofre com a necessidade de trabalhar desde cedo para não ficar nas ruas e auxiliar seus responsáveis financeiramente. Assim se fez a organização que começou no bairro Bom Fim, em Guaíba. Para elas, o foco principal acabou sendo as crianças e adolescentes pois, assim, aliviava-se os problemas de violência, consumo de drogas e trabalho infantil. “Ajudando a criança e ao adolescente com certeza você ajuda a família inteira”, afirma Angela.


Hoje o PROJARI, com mais de 30 anos de história, conta com 19 oficinas e turmas de diversos tipos, desde caratê, banda marcial e hip-hop até artesanato, marcenaria e informática. Recebendo crianças a partir dos dois anos de idade, o foco que antes era no infanto-juvenil acabou se expandindo e atendendo as famílias, que procuraram o projeto para obter um meio de renda extra. Além de tudo isso, conta também com momentos de refeições, como almoço e jantar feito por um grupo de cozinheiras e nutricionistas; atendimento de saúde com duas terapeutas, psicólogas e um médico clinico.

Com todo esse serviço prestado sem custos, a maior conquista para o projeto é a colaboração dos apoiadores. Hoje, para as coordenadoras, é impossível calcular a quantidade de pessoas que auxiliam voluntariamente o trabalho prestado. Desde cozinheiras e porteiros à professores e especialistas em economia e marketing, a maioria dos que ali ajudam são de própria vontade. “Às vezes quando a gente fala sobre voluntariado, as pessoas pensam que eles não são de se comprometer, mas bem pelo contrário. Nós temos uma experiência belíssima do quanto essas pessoas são comprometidas e do quanto somam conosco. [...] Nós falamos que eles são umas preciosidades pra nós”, comenta Angela, emocionada e orgulhosa. Há também aqueles que ajudam indiretamente, com doações de alimento e roupas para o brechó que acontece uma vez por mês.

Segundo as fundadoras, sem o apoio deles e das empresas parceiras (Thyssenkrupp Elevadores, CMPC Celulose Riograndense, Santher, Ambientaly, Celupa e afins) seria impossível manter as estruturas e todos os gastos. Hoje a maior dificuldade é conseguir atender todas as oficinas com espaços e material de qualidade. Duas delas, a marcenaria e a informática, estão sem atividades esse ano devida a falta de instrutores remunerados para o atendimento e os insumos, como as madeiras e instrumentos para o corte e modelagem para os marceneiros. São afetadas também as turmas de dança e esportes, que hoje contam com 20 a 30 inscritos, um número grande se comparado ao tamanho das salas. Com muitas pessoas para um instrutor e um voluntário apoio, as aulas acabam tendo um rendimento inferior ao desejado. Pela estrutura reduzida, também a abertura de novas turmas se torna difícil, fazendo a lista de espera ser longa e demorada.

Boa parte dessas dificuldades seriam resolvidas se houvesse um apoio da prefeitura e secretarias de assistência e desenvolvimento social. Segundo Ribas, não há uma destinação de verba do governo para o trabalho do PROJARI, contando apenas com o Banco de Alimentos e o Mesa Brasil como incentivadores. “Gostaríamos que essa parceria fosse mais comprometida porque nós irmãs não estamos fazendo um trabalho para a gente nem para a congregação, mas sim à comunidade de Guaíba” afirma Angela. Outro problema enfrentado pelas irmãs é a dificuldade com o transporte e deslocamento dos estudantes. Por atender jovens e adultos de diversos bairros da cidade, o projeto não consegue atender mais pessoas devido custo das passagens. Segundo a direção, existia uma parceria com a prefeitura de Guaíba e a empresa de transporte municipal que possibilitava aos inscritos do Projari meia passagem, como a dada aos estudantes. Mas desde dezembro de 2015 não é mais possível essa ação, pois houve uma concessão dos ônibus à empresa Expresso Assur, que cortou o benefício aos alunos do projeto. “Hoje, da forma que está, ainda não conseguimos essa ajuda. Se buscou conversar com a empresa, tivemos várias reuniões na prefeitura, mas até o momento não conseguimos nenhuma solução. Porque a família não tem condições de custear as passagens integrais e nós, Projari, também temos”, comenta Angela com pesar.

Mesmo com toda a dificuldade encontrada, as três irmãs de São José e a direção lutam para manter o projeto de pé. “Precisamos continuar nos dando as mãos para que, de fato, a gente possa, na nossa limitação, ajudar as pessoas a perceber que existe um mundo lá fora e todas têm direito à boas oportunidades e concretizações pessoais”, conclui Ribas.

“Para o poder público, isso é quase uma afronta”

Uma das festas realizadas. Foto: André Silva/Divulgação

Situado no bairro Cohab Santa Rita, em Guaíba, o projeto Natal Solidário luta diariamente para levantar fundos direcionados aos seu projeto. Contando principalmente com o apoio da comunidade local, eles realizam cinco eventos e diversas ações até a festa que leva o nome do grupo, que esse ano acontecerá em 15 de dezembro. “No começo nós tomávamos muito ‘não’ na cara, pedimos ajuda e se negavam por não saber quem a gente era. Conforme foram passando os anos, as pessoas estavam vindo até nós para oferecer as doações. Agora já tem gente que começa a guardar coisas e nos doa quando chega perto da data dos eventos”, afirma André Silva, fundador e presidente do projeto.

Segundo ele, não há grande apoio de estabelecimentos locais ou do governo. Todas as doações chegam diretamente pelas mãos dos moradores locais, que conhecem o valor do serviço prestado e ajudam no que podem. “Uma vez já recebi um cara que admira o nosso trabalho, mas não ia conseguir participar de uma de nossas ações, então ele veio e trouxe o valor da entrada pra poder ajudar na festa. Isso traz uma credibilidade muito boa! O cara não vai, mas ajudou igual. Isso mostra o quanto ele gosta do nosso trabalho” comenta Silva com alegria. No dia do Natal Solidário acontece a doação de bolas, doces, bebidas e alimentos, fora os brinquedos infláveis que ficam disponíveis pela tarde inteira. Todas essas atividades acontecem com a doação da comunidade e o apoio nos eventos que acontecem a cada dois meses, com intuito de arrecadar fundos. Segundo Silva, sem esse apoio local não haveria a festa.

Com atividades desde 2015, o grupo é formado por 60 voluntários de diversos bairros e cidades. Na primeira ação foram 250 crianças e familiares recebidos em uma festa na frente da casa do fundador, tendo pequenas doações de doces e alimentos. Hoje a equipe se alegra ao contar que a última festa recebeu 2.500 pessoas, tendo quatro horas de duração. Mesmo com uma grande equipe e o apoio da comunidade, ainda há o que se fazer. A meta agora é conseguir estruturas para o som e luzes, e um transporte fretado para as pessoas que vêm de outros bairros.

Mas essas dificuldades poderiam ser reduzidas com o apoio da prefeitura e dos vereadores locais. “Nós temos dois projetos bom daqui que somos nós e o Futiba (uma escolinha social de futebol) e eu não vejo nenhum vereador vir ajudar só por admiração. Lá na prefeitura eles conhecem a gente e todos sabem que somos um projeto bom, mesmo assim nenhum vem e apoia. Eles que deveriam chegar e vir, não o prefeito em si, mas não estão nem ai pra gente!” afirma André. Segundo ele, já foi tentado contato com eles e a secretaria de Assistência Social, mas não houve sucesso.

“Pro poder público o que a gente faz é quase uma afronta. Essas coisas colocam a comunidade contra a prefeitura, porque era para eles estarem realizando essas atividades, aí vem uma turma de desconhecidos e consegue fazer o que eles não fizeram”, alega Silva. A cidade conta com uma festa municipal de Natal, mas que acontece no centro da cidade, o que dificulta o acesso dos bairros mais carentes. Com o trabalho dos grupos sociais situados nas periferias de Guaíba, é rara, segundo ele, a visita de moradores das regiões centrais do município. “O ideal não seria nós fazemos a festa aqui no bairro, mas, sim, a prefeitura tirar o foco deles do centro, da elite, e botar nos lugares mais carentes. ‘Pô, tem um grupo que faz uma baita festa legal? Vou pegar e dar todo o apoio pra eles.’ Mas isso não acontece, infelizmente”, conclui André.

O amparo da prefeitura

Segundo o secretário de Assistência Social de Guaíba, Luis Ernani Ferreira Alves, o amparo das ONGs e projetos sociais da cidade é feito por meio da lei 13019/2014 do Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil (MROSC). Esta regulamenta e classifica o investimento do Estado para serviços que tenham finalidade pública, social e sem fins lucrativos. Hoje na cidade há apenas destinação de verba para as entidades vinculadas ao CRAS (Centros de Referência de Assistência Social) ou CREAS (Centro de Referência Especializado em Assistência Social), onde há prestação de serviço ao Município, recebendo incentivos para eventos ou projetos.

O acesso a esse serviço é aberto ao público, se localizando nas maiores regiões da cidade. “A inserção nos bairros se dá através do CRAS, onde possuímos no município dois polos: um no bairro Centro, que visa atender a uma maior população, e outro na Zona Sul. Além disso, há semanalmente o ‘CRAS Itinerante’ nos bairros de maior vulnerabilidade social do Município”, afirma Luis.

Com o foco na inserção e no fortalecimento dos vínculos familiares das crianças e adolescentes, projetos como o PROJARI e o Natal Solidário não recebem destinação de verba do Estado por não terem esse vínculo com os centros citado por ele. Para receber esse apoio é preciso filiar-se aos centros de assistência, assim se tornando um parceiro da Prefeitura. Maiores informações podem ser encontradas por meio do telefone (51) 3480-7030



¹ Pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) durante o Censo de 2010 com foco no trabalho infantil. Acesso: https://censo2010.ibge.gov.br/apps/trabalhoinfantil/outros/graficos.html

² Pesquisa realizada pelo IBGE juntamente com o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome entre 2013 e 2015, com foco nas entidades de assistência social sem fins lucrativos do Brasil com prestação de serviços socioassistenciais. Acesso: https://ww2.ibge.gov.br/home/estatistica/economia/peas/2014_2015/default.shtm

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